sexta-feira, 19 de setembro de 2014

O mito do voto evangélico

A simplificação como o evangélico é tratado na figura de eleitor impressiona. De um lado há os pastores oportunistas que julgam possuir capital político para determinar o voto de suas ovelhas. De outro lado há analistas e cientistas sociais que veem os evangélicos como massa de manobra fácil de ser manipulada. É uma derivação da velha e equivocada doutrina da tabula rasa. A verdade é que os pastores só podem falar por si, assim como os eleitores evangélicos trabalham diversos fatores no voto efetivo. O voto evangélico não é simplista.

O “povo não sabe votar” é a opinião corrente entre grupos de direita, esquerda e também dos anarquistas radicais como black blocs. A bem da verdade é que o voto costuma ser muito racional. Veja que desde a democratização em 1985 nenhum candidato majoritário ganhou com um discurso de ódio, radicalismos, propondo moratória da dívida ou apostando apenas em minorias. O voto brasileiro, mesmo quando dedicado a candidatos à esquerda do espectro político, aponta para uma acomodação conservadora. É a política da prudência. O maior grupo político no Brasil não é o extremo, mas o centro.

O chamado “voto evangélico” é uma abstração. Evidente que entre os evangélicos é possível perceber como os costumes sociais são importantes para a decisão de voto. Agora, repito, não é e nunca foi o principal fator. Em 2008 o principal ministério das Assembleias de Deus em São Paulo apoiava abertamente o ex-prefeito Gilberto Kassab (PSD) contra ex-prefeita Marta Suplicy (PT). Numa reunião um pastor falava da importância de votar em Kassab contra a agenda LGBT da senhora Suplicy - papo furado, mas era necessário algum discurso. No final daquela reunião muitos diziam que iam continuar a votar em Marta Suplicy, que na ocasião era popular na periferia de São Paulo, e um dos jovens justificava o voto na petista: “Ela prometeu internet grátis nas praças”. Veja que para aquele jovem evangélico a agenda populista da internet “grátis” era mais importante do que a agenda dos costumes.

O evangélico não é nenhum perigo para a democracia brasileira. Os evangélicos, em geral, não são fundamentalistas, ou seja, não querem subjulgar as instituições do Estado brasileiro ao cristianismo protestante. Grupos defensores de uma espécie de teocracia (teonomia, na linguagem teológica) representam uma minoria. A acomodação secularista do protestantismo impede qualquer adesismo religioso ao Estado. O evangélico é sim conservador, como é a sociedade brasileira. É um conservadorismo um tanto estranho, é verdade, porque abraça com afinco o Estado de bem-estar social. Não é nenhum Tea Party. O conservadorismo também não representa necessariamente perigo à democracia e o nosso país é um exemplo nesse sentido: toda minoria tem espaço de reinvindicações fora da proporção de sua própria população - o que é natural numa democracia sólida.

E outra, na eleição de 2006, a bancada evangélica foi afetada em cheio pela repercussão do escândalo da “Máfia das Sanguessugas", um esquema irregular e imoral de desvio de recursos públicos, especialmente da saúde, por meio da apresentação de emendas parlamentares ao Orçamento. Entre os 72 deputados envolvidos, a maioria da base aliada do Governo Lula, os evangélicos eram 28. Nenhum se reelegeu na eleição daquele ano. Isso mesmo, nenhum deputado evangélico envolvido no escândalo foi reeleito. Povo manipulável?

Todo o texto acima, inclusive o título, é de autoria de Gutierres Fernandes Siqueira, jovem jornalista de 25 anos, editor do blog http://www.teologiapentecostal.com é membro e professor de EBD na Igreja Evangélica Assembleia de Deus - Ministério Belém em São Paulo (SP).

Ao ler esse texto, lembrei-me de uma entrevista que fiz com o ex-deputado federal Walter Brito Neto, evangélico. Ele parabenizou a Comunidade Evangélica pelos avanços que obteve e a conscientização política adquirida ao longo dos anos. Todavia, condenou envelhecidas práticas, que não podem perdurar por entender que o voto é livre e autônomo do eleitor e que não pode ser trocado por nada.

Infelizmente a troca de voto ainda é uma prática incontestável no Brasil, por mais que haja investigação por parte da Justiça Eleitoral e muitos eleitos já terem perdido mandatos por causa do derrame de dinheiro, geralmente, às vésperas da eleição.

Sabemos que o povo evangélico é inteligente e muito bem orientado pelas suas lideranças. Entrentanto, como em qualquer outra classe social, aqui tem aqueles que não seguem orientação de ninguém e fazem o que a Bíblia condena. Ou seja, se a Palavra de Deus nos exorta a não se meter em práticas proibidas, por que, então, “vender” ou “trocar” o voto, exercício condenado pela Justiça? É neste momento que cada liderança e os membros das igrejas devem praticar o testemunho cristão, conforme preceituado pelas Escrituras. E os crentes, que pleiteiam uma cadeira tanto no executivo quanto no legislativo, precisam entender que aqueles lugares tem os seus desafios e espinhos. Mas é ali mesmo que eles devem ser o testemunho vivo de José de Egito, dizendo não à corrupção e a malversação do dinheiro público.