Conde de Sarzedas - é considerada a rua dos evangélicos no centro de São Paulo |
Ruas especializadas são características da cidade de São Paulo. Há uma rua das noivas, uma de madeiras, outra de motores, a dos eletrônicos, a dos lustres, a dos joalheiros, a dos instrumentos musicais e, agora, como sinal dos tempos, a dos evangélicos, ironicamente localizada às costas da Catedral da Sé. Em pouco mais de duas quadras, há galerias, lojas e camelôs vendendo artigos de que fiéis e pastores possam precisar – desde bíblias até envelopes para a coleta do dízimo. Pode-se encontrar ali o mobiliário necessário para montar um templo. Esse é, por sinal, um, digamos, segmento de mercado em ampla expansão, com a abertura de 10.000 templos evangélicos por ano.
Durante a semana, o maior movimento na rua é de lojistas de todo o país em busca de mercadorias. No sábado é a vez do comprador individual. “Vim com a família comprar peças de vestuário para o novo grupo de jovens da igreja”, diz o paulistano Valteci Figueiredo dos Santos, que não resistiu à pechincha de três gravatas por 10 reais. O burburinho na Conde de Sarzedas é similar ao das vias de comércio popular das proximidades. A peculiaridade é que nela os camelôs e as barraquinhas de comida dividem as calçadas com pregadores e cantores gospel. Naturalmente, os ambulantes vendem produtos pirateados, só que autenticamente evangélicos. Por enquanto, o negócio é próspero para todos. “A pirataria ainda não conseguiu nos incomodar”, diz Renato Fleischner, editor-chefe da Editora Mundo Cristão, com estimativa de venda de 1,5 milhão de livros neste ano.
Na década de 90, as variadas denominações evangélicas se multiplicaram no Brasil. O número de fiéis cresceu quatro vezes acima da média da população brasileira. Ao contrário da maioria católica, discreta no que diz respeito a compras ligadas à religião, os evangélicos se revelaram consumidores vorazes. O mercado de produtos específicos para eles é estimado em 1 bilhão de reais, o dobro de quatro anos atrás. O apetite consumista se deve bastante aos pentecostais (confissões mais antigas e severas em questões de vestuário e comportamento), como a Assembleia de Deus, com 15 milhões de fiéis, e aos neopentecostais (mais recentes e liberais em relação ao comportamento do fiel), como a Universal do Reino de Deus, com 8 milhões de seguidores.
Dezesseis anos atrás, a primeira edição da ExpoCristã, a maior feira de negócios evangélicos da América Latina, em São Paulo, reuniu 58 expositores e recebeu 4 500 visitantes. Neste ano, o número de expositores chegou a 315 e o de visitantes passou dos 150 000. Há também versões mais modestas montadas em Belo Horizonte e no Rio de Janeiro. Estima-se que três de cada dez CDs vendidos no país sejam de música gospel. Um dos discos de Aline Barros, a mais popular cantora evangélica, vendeu mais de 3 milhões de CDs e DVDs. Nas prateleiras da Ebenezer, a maior loja da rua, pode-se escolher qualquer gênero musical – pagode, rap, heavy metal, todos devidamente evangélicos.
Na Brother Simion, é difícil conciliar a imagem tradicional da religião com as jaquetas de couro, correntes de metal e bolsas de padrão oncinha do estilo roqueiro. Quem entra é recebido por uma vendedora de cabelos vermelhos. “Boa tarde, irmã, olha que linda essa mochila que acabou de chegar”, diz Juliana Cristina Melo, 20 anos, na loja há sete meses. Ela é uma vendedora elétrica, atenta a cada freguês que entra. “Foi Jesus quem me deu o dom da comunicação fácil”, explica Juliana. Ela divide o atendimento com o dono da loja, Brother Simion. Cinquentão, com uma carreira de sucesso no rock gospel nacional, ele gosta de contar seu momento de “iluminação”. “Fui morar na Holanda e me envolvi com drogas”, relata. “Então conheci Jesus e voltei meu rock para a música gospel. Hoje, minha missão é ‘descaretizar’ a religião.”
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